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SINAL DE ALERTA PARA A MINERAÇÃO DE AGREGADOS EM SÃO PAULO: PRECISAMOS PLANEJAR E ATUALIZAR AS LEIS.

Por: Fernando Cruz Mendes / Engenheiro de Minas e Consultor Ambiental

A indústria da construção civil brasileira experimentou um crescimento muito importante nos últimos anos, e o nível de atividade desse setor deverá continuar a aumentar, pois, além da melhor distribuição de renda da população, as obras do PAC, o Programa Minha Casa, Minha Vida e o calendário esportivo deverão garantir esse aquecimento pelos próximos anos.

Hoje, os principais problemas enfrentados pela construção civil são a elevada carga tributária e a falta de mão de obra qualificada. Porém, se não houver planejamento, um problema muito maior já se avizinha: o esgotamento das atuais minas de areia e brita próximas aos centros consumidores.

Os grandes centros consumidores ainda contam com importantes reservas de areia e brita em suas proximidades, porém, a maior parte dessas jazidas não está acessível ao aproveitamento por falta de um ordenamento territorial.

Na prática, a Mineração de Agregados está impedida de promover um planejamento adequado de investimentos e de produção em áreas próximas aos mercados consumidores, pois esbarra em restrições legais que impedem o aproveitamento racional das jazidas.

Sem poder produzir nas proximidades das manchas urbanas - uma regra básica em países desenvolvidos e com elevada consciência ambiental -, a mineração de agregados no Estado de São Paulo vem gradativamente se deslocando para áreas mais afastadas, invariavelmente para locais que só seriam viáveis técnica e economicamente dentro de 20 a 30 anos. Ou seja, além de estarmos deixando para trás uma riqueza que deveria estar sendo aproveitada hoje, essas áreas já estão sendo tomadas pela expansão urbana, ou sendo destinadas para outras atividades concorrentes, evidenciando um claro prejuízo geológico, financeiro e ambiental.

E esse quadro tende a ficar cada vez mais preocupante, pois o consumo de agregados vem aumentando significativamente, notadamente nos grandes centros urbanos, onde existe uma maior concentração de obras civis tais como viadutos e pontes, saneamento básico, hospitais, escolas, moradias, edifícios, entre outras, que estão diretamente ligadas ao desenvolvimento econômico e social da população. Tomando o exemplo do Estado de São Paulo, que é o maior produtor de agregados da Federação, nunca se experimentou um aquecimento tão grande no setor de mineração de areia e brita, o que já vem suscitando questionamentos quanto à sustentabilidade dessa produção nos próximos 20 anos.

No tocante à produção areia no Estado de São Paulo, estudos preliminares demonstram que as jazidas em atividade no Vale do Rio Paraíba do Sul - que é a maior região produtora de areia do país - deverão experimentar esgotamento num prazo de 10 (dez) anos, caso não haja uma ampliação do zoneamento minerário vigente.

O Governo Federal está contribuindo para esse aquecimento, através da distribuição de renda e, principalmente, pela injeção de recursos financeiros para a construção civil, no sentido de aquecer a economia e socializar o acesso à moradia e saneamento. Porém, não vem atuando estrategicamente no início da cadeia produtiva, que é o setor da mineração de agregados.

A mineração de agregados, por ser aquela que gera produtos que tem uso direto na construção civil, deveria merecer tratamento diferenciado do governo, desde a desoneração tributária, passando pela valorização da atividade, a desburocratização dos licenciamentos e, principalmente, a disponibilização de novas áreas de mineração próximas aos centros urbanos, que se encontram escassas por decorrências das fortes restrições legais.

Recentemente, tivemos uma grande mobilização nacional em torno do novo Código Florestal. Porém, a mineração de agregados não foi contemplada e não teve a distinção merecida por parte do legislador, nem tampouco do Governo Federal, numa clara demonstração de que o setor está sendo negligenciado pelo poder público.

Promover programas de incentivo à construção civil e, consequentemente, um aumento da demanda de agregados, sem a contrapartida de haver garantias e segurança jurídica para a produção de insumos é algo totalmente inadmissível.

Se não houver um planejamento integrado entre os setores e, principalmente, a participação efetiva da União, dos estados e dos municípios na criação de um novo ambiente legal, criando e facilitando condições de investimento para o aproveitamento de novas jazidas, vamos comprometer e onerar toda a cadeia da construção civil num futuro muito próximo.

O setor privado está pronto para investir em estudos e em novos projetos de mineração, porém esbarra em algumas dificuldades que são peculiares ao setor, como a desinformação da sociedade sobre a importância da mineração, a falta de apoio do poder público, legislação restritiva, morosidade dos processos administrativos de licenciamento, e a falta de investimentos e estudos de Ordenamento Territorial Geomineiro, que é a principal ferramenta para a solução dos conflitos entre a mineração, meio ambiente e formas de ocupação territorial e urbana.

Como se sabe, a mineração é uma atividade que apresenta a denominada rigidez locacional, que é um determinismo que obriga a indústria mineral a se instalar em locais onde existe a ocorrência do minério, e não onde se desejaria que ele estivesse. A rigidez locacional significa que o minerador não pode escolher livremente o local onde desenvolverá sua atividade, pois ele depende da localização exclusiva de onde os bens minerais estão acumulados e, numa segunda etapa, se eles podem ser economicamente extraídos, além dos aspectos ambientais.

No caso dos agregados, outro aspecto que contribui para a definição do aproveitamento de uma jazida é a sua loca-lização frente aos centros consumidores. É necessário que a mineração esteja próxima às áreas urbanas, devido o baixo valor unitário do minério.

Além do aspecto econômico, a proximidade das jazidas ao mercado consumidor garante uma melhor adequação ambiental, evitando o transporte rodoviário e a emissão de gases na atmosfera.

O planejamento da mineração no âmbito dos estados e dos municípios passa pela necessidade de haver um orde-namento territorial, através de políticas adequadas de uso e ocupação do solo.

A maioria dos municípios brasileiros não tem um ordenamento territorial adequado às necessidades e demandas atuais, e a mineração, invariavelmente, tem que competir com outras atividades que não tem a mesma rigidez locacional.

O principal efeito negativo da falta de políticas de ordenamento é a esterilização das jazidas.

Esterilizar uma jazida mineral é como sepultar um patrimônio da humanidade, além de deflagrar indesejáveis consequências econômicas, sociais e ambientais.

Em países desenvolvidos, a mineração de agregados não compete com outras atividades, lhe sendo conferida total distinção e apoio por parte dos poderes públicos. No Canadá, por exemplo, a mineração é vista como uma atividade indutora do desenvolvimento sustentável das províncias, e seu estabelecimento próximo aos centros urbanos se deve, principalmente, ao respeito à rigidez locacional das reservas minerais.

No caso brasileiro a realidade é exatamente oposta. Estados e municípios não estão sintonizados com a necessidade de se estabelecer regras e procedimentos para inclusão da mineração em seus ordenamentos ter-ritoriais. Salvo raríssimas exceções, o poder público ainda carece de informações técnicas e estratégicas na formulação de suas políticas públicas.

O estabelecimento de usos baseados em informações sobre o clima, geologia, geomorfologia, unidades de solo, vegetação, uso da terra, infraestrutura, divisão territorial e dados socioeconômicos são fundamentais para a for-mulação de políticas públicas consistentes, cujo objetivo é tentar harmonizar e atender as demandas ambientais, econômicas e sociais.

O poder público precisa estar atento às demandas da sociedade, e o ordenamento territorial representa o início de um processo, que deve ser desenvolvido através de ações subsequentes, envolvendo as autoridades e a sociedade civil organizada, de maneira que o conhecimento se transforme em procedimentos técnicos e admi-nistrativos que viabilizem o acesso aos recursos minerais. Muitos municípios, apesar de depender e consumir um volume expressivo de agregados para construção civil não se preocupam com a questão do suprimento de agregados. Muitos deles até proíbem a mineração em seus territórios por conta de uma suposta defesa e preservação do meio ambiente.

Ocorre que, proibir nem sempre é a melhor solução para o meio ambiente e, por vezes, uma ação radical pode desencadear processos paralelos muito mais nocivos e danosos que vão além da atividade minerária.

Quando um município proíbe a mineração também está privando sua população ao acesso ao bem mineral, ou está tornando esse acesso mais caro, visto que não se pode prescindir dos bens minerais. Além disso, está transferindo as suas responsabilidades política, social e ambiental para outros municípios, pois o minério necessariamente deverá vir de algum lugar.

Transferindo responsabilidades, por vezes, acaba criando uma falsa sensação de preservação ambiental em seu território, quando em verdade poderá estar contribuindo para uma maior degradação, visto que acaba por fomentar atividades irregulares, cria uma necessidade de transporte, aumenta a emissão de gases na atmosfera e onera o custo do minério.

É chegado o momento de inserir a Mineração de Agregados nos Planos Diretores Municipais (PDM) e, a partir desse ordenamento, criar condições de haver um efetivo planejamento da atividade minerária. Assim, automaticamente, teremos melhores condições de aproveitamento dos recursos, processos produtivos mais eficientes, melhores condições de fiscalização dos órgãos, e uma efetiva regularização da atividade, transformando-a em um modelo de desenvolvimento efetivamente sustentável.

A mineração evoluiu, e a legislação precisa acompanhá-la.

Diferentemente da Europa e da América do Norte, a mineração de agregados no Brasil vem sendo negligenciada pela sociedade e pelo poder público, muito pela falta de informação e, principalmente, pela incapacidade do setor em divulgar a sua importância social.

As empresas de mineração passaram por um processo importante de profissionalização e melhoria técnica no desenvolvimento de suas atividades, deixando para trás um passado muitas vezes questionável, por conta de maus empresários e aventureiros que atuaram no setor.

O setor passou por uma “seleção natural” qualitativa, e a maioria dos empreendimentos regularizados hoje tem plena consciência de suas responsabilidades sociais e ambientais.

Atualmente, não há mais espaço para amadorismo, para “garimpeiros” ou empresários desvinculados com as questões sociais e ambientais que envolvem a produção. No entanto, a imagem do setor ainda não reflete esses aspectos positivos, e o grande obstáculo a ser vencido é a divulgação dessa mensagem para a sociedade, mostrando que, além de compatível com o meio ambiente, a mineração de agregados é essencial para a vida da população.

Um dos fatores que contribuem negativamente para a imagem da mineração é a existência de atividades irregulares e informais, apesar do empenho e atuação firme dos órgãos ambientais para reprimir este tipo de ação.

No entanto, a própria legislação ambiental contribui para que haja informalidade no setor, pois, o elevado grau de restrições e, principalmente, a morosidade dos processos, acaba protelando em demasia o licenciamento de uma atividade, abrindo espaço para a informalidade.

Diante desse quadro, é chegado o momento de se construir um novo modelo para a mineração de agregados, através de novas soluções, e menores restrições e amarras administrativas.

O minerador evoluiu ao longo dos anos, as empresas vêm adotando novas e boa práticas, mas a legislação de certa forma não acompanhou essa nova realidade da mineração.

Neste sentido, é necessário desmistificar a imagem da mineração junto aos órgãos ambientais, Ministério Público, entidades ambientalistas, universidades e juristas. É necessário difundir a ideia de que não existe desenvolvimento sem acesso aos recursos naturais, e que, neste quesito, a atual indústria extrativa de agregados está equipada e consciente das suas obrigações e responsabilidades.

A percepção geral e simplista de que a mineração está relacionada com destruição e impactos ambientais irreversíveis, além de equivocada, está ultrapassada, e precisa ser didaticamente desmontada com exemplos concretos.

Os exemplos de recuperação de grandes áreas de mineração como o Parque do Ibirapuera, Parque Villa Lobos, Raia Olímpica da Cidade Universitária (USP) e Parque Ecológico do Tietê devem ser sempre lembrados e reverenciados.

Recentemente, foram apresentados no SINDAREIA novos exemplos, dentre os quais, a excelente recuperação da área de mineração do Porto de Areia IBR, em São José dos Campos-SP, e iniciativas como a da Embu S/A, que criou o Instituto Embu de Sustentabilidade (IES) - que desenvolve projetos ambientais e sociais privilegiando a educação ambiental.

Essas ações positivas demonstram uma nova realidade por parte das empresas, porém, essas informações precisam ser melhor divulgadas, não podendo ficar circunscritas àqueles que fazem parte do setor.

Além desses aspectos positivos alcançados, é importante destacar que a mineração de agregados é uma das atividades industriais que causam impactos relativamente modestos frente a outros setores. A agricultura, por exemplo, causa danos muito mais significativos, mas a sua imagem positiva perante a sociedade lhe confere vantagens e menos restrições legais se comparada com a mineração.

A sociedade tem clara a percepção de que depende de alimentos para viver, mas ainda não se deu conta de que também depende de areia e brita.

Enquanto essa mensagem não chegar mais claramente e não estiver na consciência da população, a atividade será sempre vista com reservas, e o legislador acaba por se influenciar, criando restrições que, na prática, só inibe e sufoca a atividade formal. Por outro lado, a sociedade precisa ter garantias de que as jazidas situadas no entorno das manchas urbanas não venham ser perdidas ou desperdiçadas por falta de leis e critérios técnicos que garantam o seu aproveitamento econômico.

Quando uma jazida de agregados próxima aos centros consumidores deixa de ser minerada a sociedade paga por isso, e quem mais sofre é o meio ambiente, pois o minério terá de vir de algum outro lugar, que por vezes pode não ser o mais adequado. Conforme conhecido ditado popular chinês, “não há ventos favoráveis para quem não sabe aonde quer chegar” e, neste sentido, estamos num momento decisivo para que haja um reordenamento do atual excesso regulatório e, principalmente, uma proteção e valorização das nossas jazidas de agregados, que são fontes estratégicas para o desenvolvimento.

Planejar é necessário, assim estaremos redefinindo métodos, caminhos e pontos de convergência entre todas as partes envolvidas, em prol de uma atividade que deve ser reverenciada e reconhecida como fundamental para a vida.

 

Fonte: Revista Areia & Brita